segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Travessa

Passos largos, ar sereno. Atravessa a avenida. Aprecia a vitrine. Mais um passo e está dentro; depara-se com as inúmeras delícias – a do estômago também. Boquiaberto, ávido pelas palavras, pelas vírgulas, pelos sinais, pelos sentidos escondidos ou visíveis nos romances, nos contos, nos artigos, nas poesias, numa frase, num vocábulo. Tudo ou quase tudo emana prazer - não resiste - e aspira o aroma, não do pó, mas do saber.
Em pé ou agachado, não importa, folheia cada página e descortina as palavras desenhadas e aquelas do imaginário e concorda com o poeta que: “a vida é traição”* – está dito, é sentido. O que se tem hoje é único, amanhã pode se ter mais ou deixar de ter, de fazer sentido. Basta atravessar o travessão sem atenção e não ver a Travessa.

* “a vida é traição” – refere-se ao conto - Momento num café - de Manuel Bandeira.

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.
Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta

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