quarta-feira, 17 de março de 2010

Noel e sua foto

Noel chega esbaforido. Também, com toda a chuva que cai lá fora, é impossível não se atrasar. Está tudo parado. Os carros ongestionados, uma multidão de guarda-chuva abertos, o povo irritado com seus pés molhados, ainda mais com a sensação de que se trata de água de chuva misturada ao esgoto que vem de um bueiro entupido - o cheiro é característico, dá nojo.

Noel chega à portaria do prédio rua Jardim Botânico, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Na recepção é solicitado pela recepcionista Terezinha, uma jovem senhora, assim identificada por seu crachá a apresentar sua identidade e para se posicionar a frente da câmera para a foto.

Noel, se surpreende com o pedido - Como? Onde colocarão minha foto? Isso é constrangedor e se pergunta: para que serve a minha identidade, já apresentada? O documento não é suficiente para provar que sou um cidadão brasileiro, cumpridor dos meus deveres?

De repente a "ficha cai" - hoje, com o que está acontecendo, com tamanha violência, é melhor obedecer.

Observa que sobre a mesa da recepcionista há uma linda pimenteira roxa. Como é extremamente supersticioso, pensa: "e se ela não gostar do meu questionamento e resolver colocar meu nome na boca do sapo ou escrever meu nome num papel e depositar no refrigerador de sua casa ou identificar um boneco com meu nome e alfinetá-lo todo?" Diante de todos esses argumentos, desiste do questionamento, e se dirige ao seu destino: o consultório dentário.

Depois de autorizada sua entrada - Ufa!! - liberada a catraca após passar o cartão que lhe foi entregue (agora, possui uma senha de acesso ao respeitoso prédio), entra no elevador, aciona o terceiro andar. No corredor, procura a sala 303, aperta a campainha. Segundos depois, é atendido por Alessandra, uma auxiliar do consultório, que se encontra em estado gestacional - lá pelo 6º mês...

Alessandra, a bela auxiliar, de pele bem clara, cabelos compridos e louros, usa um jaleco azul claro, ainda abotoado, porém, em razão do seu estado encontra-se um tanto, ou melhor, bastante apertado. Mostra-se simpática, indica-lhe o sofá e informa que a doutora Flávia logo irá chamá-lo.

Noel, após a saída da auxiliar, dá uma olhada na sala da recepção e acha bastante interessante a estante com os vários tipos de escovas de dente ali expostas; de vários tipos e modelos: para crianças, para adultos, para cuidados mais intensivos, sendo a maioria para a escovação de rotina. Pensa: elas devem ser adquiridas nos famosos congressos de odontologia ou fornecidas como brindes pelos representantes de produtos odontológicos que visitam o consultório regularmente.

Enquanto espera ouve a conversa de três mulheres vinda do corredor que dá acesso aos consultórios. Assunto - gravidez e ultrassonografia. Comentam sobre a imagem de seus bebês . Uma fala que ele estava com toda a mão na boca, a outra, que chupava o próprio pé, e outra, que seu bebê estava quietinho, como que dormindo. Todas empolgadas. Noel, então, vai imaginando a cena, como se fosse uma foto.

Por alguns segundos, Noel pensa que errou o endereço e está em um consultório obstétrico

De repente, a porta que dá acesso ao corredor se abre e uma outra auxiliar de consultório, Joelma, também em estado gestacional, por volta do 4º mês, chama-o e o conduz ao consultório e pede para que se sente na cadeira do dentista.

Logo em seguida entra no consultório a doutora Flávia, também grávida. Pelo que observa está prestes a ter o filho. Muito simpática, atenciosa, examina sua boca e explica alguns procedimentos necessários. Solicita uma radiografia panorâmica da face.

A doutora Flávia fala que está prestes a se afastar do trabalho e que o Dr. José Henrique dará prosseguimento ao seu acompanhamento. Chama o referido colega e o apresenta. Após o atendimento, Noel, dirige-se à recepção para agendar seu retorno. Lá, acaba presenciando a chegada da esposa do dentista José Henrique, assim como assiste o comunicado de que ela também está grávida, que o resultado do teste foi positivo. A comoção foi geral!

Noel, enquanto aguarda o elevador, pensa nas fotos, na fotografia de sua face, nas quatro mulheres grávidas, na ansiedade de cada uma até poderem ver seus filhos definitivamente em seus braços, na sua imagem filmada enquanto anda pelo prédio... São tantas câmeras.

Na recepção, ao devolver seu cartão de visitante, dá mais uma olhada na pimenteira roxa e olha fixamente para o rosto da recepcionista Terezinha.

Ao sair do prédio, entra no primeiro restaurante e pede o prato mais apimentado da casa.

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